A confirmação da transação de compra da
totalidade das ações da Monsanto por parte da Bayer, depois de semanas de
boatos e anúncios ao Mercado, ocorreu formalmente no dia 14/09/2016.
Trata-se da formação do maior
Conglomerado de Pesquisa, Desenvolvimento, Produção e Comercialização de
Sementes.
A fusão das duas empresas potencializa
brutalmente o seu poder mercadológico no setor de Agroquímicos, onde ambas já atuam
com posições dominantes em relação a diversas moléculas. O impacto dessa união
é enorme nos canais de distribuição e cultivos-alvo.
É notória a preocupação das duas
empresas com uma forte rejeição por parte do Mercado e sobretudo com eventuais
impedimentos regulatórios nos Estados Unidos e Europa, tanto é assim que
criaram um site específico com um nome bastante sugestivo
(www.advancingtogether.com) destinado a ressaltar as motivações da transação,
os supostos benefícios que a combinação entre as empresas poderá produzir para
os Acionistas e para os Agricultores, entre outros detalhes carregados de
adjetivos de marketing.
Nos últimos dois dias, dediquei várias
horas à leitura e a avaliação detalhada das demonstrações financeiras das empresas
no período de 2015, além de ter analisado atentamente algumas apresentações
recentes da Monsanto.
Esse trabalho, que compartilho com os
leitores do Noticias Agrícolas, está dividido nos seguintes tópicos: (i) Aspectos Financeiros da Fusão; (ii) Estratégia Comercial da Monsanto; (iii) Implicações no Mercado Brasileiro; (iv) Prováveis Conseqüências de Longo-Prazo; e (v) O que Podemos Fazer diante desse Cenário?
I - Aspectos
Financeiros da Fusão
O volume de dinheiro envolvido nesse
negocio surpreendeu o Mundo e gerou enorme repercussão.
Segundo as declarações da Bayer à
imprensa internacional, a oferta foi de USD 66 Bilhões a serem pagos à vista
pela totalidade da Monsanto.
Uma parte substancial desse montante, ao
redor de USD 57 Bilhões, virá de um empréstimo “ponte” contratado com um
Consórcio de Bancos Internacionais de primeira linha e o restante do valor
envolveria a captação de recursos através da emissão de bonds conversíveis em
ações.
Ontem me questionaram se não seria a
Monsanto que estaria comprando a Bayer, dado que o negocio agrícola da gigante
Alemã é menor em faturamento e não tem a importância estratégica que
reconhecidamente a empresa Americana possui nesse segmento.
* USD Mil
DRE (Income Statement) - 2015
|
Monsanto
|
Bayer Group (Consolidado)
|
Bayer Cropscience Division
|
Faturamento Bruto
|
USD 15.001,00
|
USD 50.610,53
|
USD 11.364,96
|
EBITDA*
|
USD 4.831,00
|
USD 11.258,93
|
USD 2.640,93
|
% Margem EBITDA*
|
32,20%
|
22,24%
|
23,24%
|
· * Paridade ajustada EUR-USD – 1,0931 (30/12/2015)
· EBITDA – Earning before Taxes, Depreciation, Amortization = Lucro
Operacional antes dos
Impostos, Juros, Depreciação/Amortização
· % Margem EBITDA – Indica o Lucro Operacional como % do Faturamento,
antes do pagamento
de Impostos, Juros, Depreciação/Amortização. Muito indicado
para medir a Capacidade de
Pagamento em financiamentos.
Do ponto de vista dos acionistas da Monsanto
significou um tremendo negócio, equivalente a 13,66x o valor do EBITDA de 2015.
No contexto da Bayer, a divisão Agro
passará a ter um faturamento combinado com a operação da Monsanto que equivale
ao da poderosa área Farmacêutica do Grupo.
O senso comum indica que os
financiadores devem estar muito seguros de que a operação não afetará a
solvência do Grupo Bayer.
Nesse contexto, claro está que a Bayer tem
plena certeza de que obterá o Retorno sobre o Investimento, superando inúmeras
barreiras regulatórias, pressões concorrenciais e outros fatores que podem
frustrar as previsões mais conservadoras.
Curioso que dentre os critérios de
Governança declarados nas demonstrações financeiras de 2015, a companhia adota
uma Matriz de Classificação de Risco para medir o impacto financeiro que
determinadas decisões da Diretoria podem trazer para a saúde da empresa.
Valores acima de EUR 1.250.000.000,00 (Hum
Bilhão, Duzentos e Cinquenta Milhões de Euros) são considerados como de ALTO RISCO e podem afetar negativamente
a solidez financeira. Referida classificação estaria de acordo com as regras
estabelecidas pela legislação alemã de valores mobiliários (German Stock Act).
As ações da Bayer fecharam há pouco em
baixa de 1,94% (15/09/2016), possivelmente refletindo alguma rejeição do
Mercado em relação a compra da Monsanto.
Bayer AG ADR
OTC: BAYRY
II – Estratégia
Comercial da Monsanto
Separei alguns slides de uma
apresentação recente (Maio/2016) feita pelo Presidente/COO da Monsanto no
evento 11th Annual Farm to Market Conference.
1) Milho
O quadro abaixo demonstra a inserção
global da empresa, sendo a número 1 nos Estados Unidos, Brasil, Argentina e
Leste-Europeu. A participação de mercado no Brasil seria de 50%, indicando uma
grande relevância competitiva. Na Argentina, há uma posição dominante com mais
de 60% do total cultivado.
2) Soja
O objetivo da empresa
é atingir até 2025 algo próximo a 58 milhões de hectares (quase que a
totalidade da área plantada no Brasil e na Argentina).
3) Nematicidas
Uma das grandes
apostas é a comercialização de um Nematicida Biológico, denominado
“Nemastrike”, cujo objetivo comercial seria alcançar 125 milhões de Acres ou 50
milhões de hectares até 2025. O lançamento dessa linha está previsto para 2018.
4) Core
Business e Futura Plataforma
O quadro a seguir sintetiza de maneira
clara os objetivos estratégicos da Monsanto para os próximos 10 anos.
Chama atenção que a “nova plataforma” de
negócios está baseada: (i) no desenvolvimento de alternativas biológicas, como
o “Nemastrike”; (ii) numa linha inoculantes avançados que teriam maior
resistência à exposição de Agroquímicos e maior capacidade de transferência de
nutrientes para as plantas; e (iii) na constituição de uma plataforma digital
de acompanhamento dos cultivos através de imagens satelitais e softwares.
III –
Implicações no Mercado Brasileiro
É inegável que a Fusão cria uma posição
dominante no Mercado de Sementes e de Agroquímicos, cujo impacto começará a ser
sentido logo na próxima Safra, assim que os órgãos “anti-trust” nos Estados
Unidos e Europa homologuem a transação.
A experiência mostra que depois que as
Equipes Comerciais estiverem devidamente ajustadas, o resultado da Fusão deverá
significar preços mais elevados para as Sementes e o estabelecimento de
condicionantes comerciais, entre eles a famigerada “Venda Casada”.
Espero estar enganado, mas alguém duvida
disso?
Não me surpreenderia ouvir comentários
do tipo: “Quem não levar o pacote da Bayer, não terá o Roundup e nem as Sementes
da linha Monsanto. Se quer, quer. Se não quer, tem quem queira”.
Alguém já escutou algo do gênero ou é
uma viagem da minha cabeça?
Segundo informações de Revendedores
Bayer, a companhia já condiciona as compras de uma quantidade determinada de
produtos do portfolio, cuja rotação é baixa, para garantir a entrega do Fungicida
FOX (carro-chefe das vendas). Essa prática é bem conhecida no Mercado.
Nessa altura, acredito que muitos
Revendedores Bayer e Monsanto pelo Brasil afora devam estar alternando-se entre
comemorações e angústias. Alguns se tornarão muito fortes e outros perderão a
“bandeira”, ainda que representada há anos, pois não haverá como justificar-se
a co-existência de canais concorrentes em várias regiões importantes.
No tocante ao Agricultor, o cenário é
ainda mais complexo na medida em que as suas opções de escolha estarão
reduzidas e sujeitas a condicionantes que certamente irão limitar a autonomia
na condução das lavouras.
IV – Prováveis Conseqüências
de Longo-Prazo
Infelizmente, não tenho a famosa “Espada de Thundera” para ver além do
alcance, mas algumas conseqüencias prováveis se desenham num horizonte não tão
distante:
a) Os Produtores de grãos no Brasil e no resto do Mundo
se tornarão ainda mais dependentes, não sendo devaneio pensar que muitos se
tornarão verdadeiros “integrados”, nos moldes que já ocorre há anos no setor de
Frangos e Suínos. Será difícil saber se a atividade agrícola existe em função
do cultivo ou se é apenas uma aplicação a mais onde se usa um determinado “pacote
tecnológico”;
b) As margens na Agricultura serão drenadas com maior
vigor em direção a um pequeno grupo de gigantes da area de insumos;
c) Com o Poder Econômico estabelecido pelos
Conglomerados, incluíndo Syngenta/Adama controladas pela Chem-China e a fusão entre
Dow-Dupont, os Governos e suas Agencias Reguladoras enfrentarão uma enorme
pressão para que as regras do jogo estejam alinhadas aos interesses desses
grandes grupos. Em certa medida, essa situação já acontece no Brasil há pelo
menos 10 anos, onde o Consórcio MAPA-ANVISA-IBAMA impedem através da burocracia
o estabelecimento de uma maior concorrência no setor de Defensivos Agricolas;
d) A China poderá
liberar o plantio de Soja GMO, o que poderá incrementar a produção em mais de
10 milhões de toneladas/ano, considerando-se a manutenção da area cultivada
atualmente e adicionando-se o diferencial de produtividade que a tecnologia
permite;
e) A China deverá tornar-se auto-suficiente na produção
de Milho e deixará de importar;
f) A India, que atualmente produz Soja Convencional para
o consumo domestico, poderá também liberar o plantio de sementes GMO e
tornar-se mais um abastecedor do sudeste asiático, diminuindo a dependência da
região em relação aos Estados Unidos, Argentina e Brasil;
g) Possibilidade concreta de que alguns países da Africa
com grande potencial produtivo, mas que por questões ideológicas ainda proibem
o plantio de sementes transgênicas, venham a liberar a tecnologia e se tornem
auto-suficientes em Milho e derivados;
V) O que
Podemos Fazer diante desse Cenário?
Em primeiro lugar, afastar o “Vitimismo dos Pedintes Profissionai” do
nosso Ramo, pois a Era dos Subsídios
acabou.
Agricultura é um negocio para gente Competente e não terá mais espaço
para Improvisados, tampouco para “Chorões”.
Temos de encarar o negocio da Bayer com
a Monsanto como parte de uma evolução normal do Mercado e nessa esteira virão
outros semelhantes.
Me parece que devemos estruturar com
urgencia um conjunto de medidas importantes para proteção dos interesses do
Setor:
1) Formação de Grupos de Compra, seja na forma de
Cooperativas, Condomínios, Associações ou Pools como mecanismo para melhorar o
processo negocial;
2) Pressionar fortemente o Governo para que modifique
rapidamente a legislação de insumos, permitindo que os Agricultores organizados
possam importar diretamente, que a sua vez se responsabilizarão pelo uso
correto no campo e o devido descarte das embalagens;
3) Implantação de Programas de Capacitação em Gestão Administrativo-Financeira
para que os Agricultores possam defender o crédito para suas atividades, de
maneira consciente e organizada, evitando-se as armadilhas negociais e a
aceitação de condições desfavoráveis de fornecimento simplesmente porque estão
oferecendo um Prazo extendido de pagamento;
4) Criação de um Banco e de uma Seguradora com Capital
integralizado exclusivamente por Agricultores, de atuação regional, com gestão
profissionalizada e regras rígidas para concessão de crédito obedecendo os
parâmetros do Mercado;
5) Incentivar a formação de Clusters Agroindustriais
voltados para agregação de valor da produção;
6) Desoneração dos impostos incidentes sobre insumos
diretos, nos combustíveis e produtos alimentícios voltados para o consumo
domestico e para exportação;
7) Fixação de uma tarifa única e de valor acessível para
todas as operações que exijam validação cartorial;
8) Criação de uma tabela progressiva de Impostos
incidentes sobre as operações de Arrendamento de Terras, estabelecendo valores
maiores para contratos de curta duração até a isenção a partir de períodos
superiores a 10 anos. Essa medida tem por finalidade favorecer o Arrendatário
que sabe produzir, trazendo-lhe segurança operacional, financeira e juridica
para realização dos investimentos. Isso favorecerá significativamente o setor
com a redução da percepção de risco e dos juros cobrados nos financiamentos,
além de minimizar os efeitos deleterios da lavagem de dinheiro e da especulação
imobiliária com áreas produtivas.
Me parece que a
transação bilionária feita pela Bayer-Monsanto pode ser encarada como uma
grande Oportunidade de mostrarmos que o Setor está preparado, não é passivo e
que poderá ser um excelente parceiro, se esse novo Conglomerado estiver
realmente imbuído das boas intenções manifestadas ao Mercado.
Fonte: CustodoAgro – Consultoria Agrícola – Eduardo
Lima Porto