segunda-feira, 22 de julho de 2013

Angola - Futuro Player Agrícola?

Cheguei a Angola há alguns dias com o propósito de visitar algumas fazendas e revendedores de insumos agrícolas.

Conheço razoavelmente bem o interior desse país, que durante muitos anos sofreu com uma sangrenta Guerra Civil, a qual foi definitivamente resolvida em 2002. De lá para cá, Angola vem crescendo a taxas impressionantes. 

Desde a primeira vez em que estive por aqui, me chamou muito a atenção a similaridade que o Planalto Angolano possui com o Cerrado Brasileiro, em termos de Solo, Clima, Regime Pluviométrico e Vegetação. O País é ainda contemplado por 3 bacias hidrográficas bastante caudalosas que favorecem o estabelecimento de extensas áreas irrigáveis.

Segundo dados da FAO, Angola possui ao redor de 45 milhões de hectares aptos à Agricultura e aproveita não mais do que 2 milhões de hectares de forma predominantemente rudimentar.

No passado, o País chegou a ser o quarto maior produtor mundial de Café e foi auto-suficiente na produção de Milho.

Atualmente, Angola importa quase que a totalidade dos alimentos que consome. A produtividade agrícola é ainda muito baixa quando comparada aos principais países produtores. O rendimento médio do Milho situa-se na faixa de 800kg/ha.

As razões dessa situação estão relacionadas com a Guerra Civil que durou mais de 30 anos. A infra-estrutura agrária foi praticamente destruída, centenas de milhares de agricultores morreram e houve um massivo êxodo em direção as zonas urbanas de Luanda (capital) e Benguela (segunda cidade mais importante).

A transmissão do conhecimento entre as gerações foi interrompido, sendo esse aspecto, na minha opinião, um dos maiores entraves para que os jovens que migraram se sintam estimulados a retornar ao interior para dedicarem-se a atividade rural.

Conseqüência disso, os preços internos dos alimentos em Angola são extremamente elevados em comparação aos praticados no Brasil. Para se ter uma idéia, o Milho há poucos dias atrás estava sendo vendido a um valor equivalente a R$ 65,00 o saco de 60kg. A batata inglesa, aqui chamada de "batata rena", custava entre USD 2,00 a USD 3,00 por kg.

Por esse motivo que o Governo Angolano está empreendendo esforços no sentido de recuperar rapidamente a produção agrícola, com um claro propósito de diversificar a economia e reduzir a dependência quase que absoluta que o País possui em relação ao Petróleo. 

Com a estabilidade político-institucional alcançada após 2002, a China tornou-se o principal parceiro comercial de Angola a partir da construção e financiamento de obras de infra-estrutura de grande porte, cujo pagamento envolve contratos de bilhões de dólares denominados em embarques de Petróleo.

A presença chinesa em Angola é vista por todos os lugares e muitos trabalhadores da construção civil já conseguem se comunicar em português, o que mostra uma velocidade de aprendizado e adaptação cultural surpreendentes.

Não vai demorar muito para que os chineses comecem a produzir e exportar Soja e Milho em grande escala, não só em Angola, mas também em outros países do continente africano que possuem condições semelhantes ao nosso Cerrado.

Iniciativas bem estruturadas já estão sendo conduzidas em Angola para atrair Investidores Agrícolas. É o caso da SODEPAC - Sociedade de Desenvolvimento do Pólo-Agroindustrial do Capanda (www.sodepac.com).

Fui convidado essa semana, junto com investidores e técnicos vindos de inúmeros países, a visitar o Pólo Agro-Industrial do CAPANDA localizado na Província do Malange (norte de Angola).

Trata-se de um empreendimento composto de 411.000 hectares, dos quais 293.000 se destinam a produção agrícola com foco em Milho e Soja.

Nessa área, a Odebrecht já está cultivando Cana em sociedade com a Sonangol (empresa estatal de Petróleo). Uma Usina de grande porte está sendo terminada e irá produzir ao redor de 300.000 toneladas/ano de Açúcar, além de Etanol e Energia Elétrica.

A Odebrecht é a principal empresa estrangeira em Angola, emprega mais de 30.000 pessoas no País e atua em diversos segmentos. 

No evento que participamos, a empresa anunciou um investimento de mais de USD 250 milhões na implantação de um Complexo totalmente verticalizado de produção de Aves e Suínos, o qual terá como suporte o cultivo próprio de Soja e Milho numa extensão que deverá superar inicialmente os 50.000ha.

A empresa firmou um contrato de assistência técnica e planejamento organizacional com a SODEPAC, sendo a responsável pela avaliação de projetos e seleção de investidores interessados em se instalar na região.

Visitamos também a Fazenda Pedras Pretas administrada de maneira compartilhada entre a empresa pública angolana Gesterra e a chinesa CITIC Construction, que foi a responsável pela abertura de 10.000ha, a construção dos canais de irrigação (pivots), armazenagem, etc.

A CITIC Construction é outra grande investidora em Angola a exemplo da Odebrecht. Possui diversos projetos em implantação no País e tem um contrato com o Governo Angolano para explorar 500.000 hectares. A lógica aponta que o objetivo é atender a demanda chinesa.

Sem dúvida que a China está trabalhando fortemente para reduzir a dependência em relação aos fornecedores tradicionais. Os chineses estão sendo muito inteligentes, pois estão aproveitando as necessidades dos países africanos em termos de infra-estrutura para consolidar posições estratégicas com a obtenção de vastas porções de terra. Angola demonstra ser um exemplo claro dessa estratégia. 

A China já faz "barter" de Obras por Petróleo e Terras há tempos na Africa. Trocar Estradas e Portos por Soja está longe de ser improvável.

Produzir cereais em Angola é extremamente atrativo para qualquer empresa agrícola. É algo como produzir no Mato Grosso ou Goiás, estando a uma distância equivalente a de Ponta Grossa em relação ao Porto de Paranaguá.

Aos investidores estrangeiros se oferece a concessão das terras por um período de 25 anos, renovável por outros 25. As terras pertencem ao Estado, não havendo compra e venda na forma como estamos acostumados no Brasil. 

Produtores tradicionais que tenham uma orientação excessivamente "patrimonialista" em relação a terra não deverão se estimular a investir em Angola ou em outros países africanos.

Angola é uma excelente oportunidade para empresários rurais que buscam ganhos de escala com a incorporação de novas áreas. É o local perfeito para os Desbravadores Profissionais.

A segurança jurídica dos investimentos está alicerçada na Constituição do País, a qual está alinhada com acordos internacionais que visam assegurar a proteção da propriedade. Reitero que o termo "propriedade" nesse caso está relacionado com as benfeitorias realizadas sobre a terra.

Adicionalmente, me parece que é recomendável a contratação de uma Apólice de Seguro através do MIGA - Multilateral Investment Guarantee Agency (braço segurador do Banco Mundial) que possibilita a proteção dos investimentos a partir da mitigação de uma série de riscos, como desapropriações, conflitos civis, crises econômicas que impeçam a remessa de pagamentos ao exterior, entre outros. 

Angola se encontra no rol dos países africanos que estão cobertos pelas Apólices do Banco Mundial.

A tendência é clara e demonstra que haverá nos próximos anos um forte deslocamento dos grandes players agrícolas para países como Angola, tendo em vista que: (i) não há necessidade de investir na compra de terras; (ii) existe a infra-estrutura logística para escoar a produção; (iii) os custos relativos são inferiores aos do Brasil, inclusive no que se refere as linhas de financiamento disponíveis.

Um dos componentes de custo que mais me chamaram a atenção foi o Diesel, que no interior de Angola é vendido por um valor equivalente a R$ 0,50/litro.

Considerando que é possível importar insumos e máquinas agrícolas diretamente, que as zonas de cultivo fazem parte de um amplo programa de isenção fiscal, pode-se afirmar que os custos dos fatores de produção venham a ser de 30% a 50% inferiores aos do Brasil.

Entretanto, alguns desafios importantes deverão ser superados em Angola, sendo, talvez um dos principais, a capacitação da mão-de-obra local para operação de máquinas e implementos e a formação de uma cadeia de fornecimento de insumos e serviços nos moldes conhecidos no Brasil.

Segundo comentários ouvidos no evento da SODEPAC, a EMBRAPA estaria prestes a instalar uma Unidade na Província do Malange para dar suporte técnico aos empreendimentos que se instalarão na região.

De acordo com o Secretário de Estado da Agricultura - Eng. Agr. José Amaro Tati, o modelo adotado pela SODEPAC deverá ser replicado em outras Províncias do País que possuem aptidão agrícola. A julgar pela rapidez com que esse Projeto está sendo implementado, me parece que o empenho nesse sentido é realmente sério.

Amaro Tati, apesar do senso de humor que o torna uma figura muito simpática a todos, não brinca em serviço quando se trata de Agricultura. Ele conhece profundamente a realidade da produção brasileira. Tive a oportunidade de acompanhá-lo em duas ocasiões no Brasil e no Paraguai em visita a agricultores que são referencia em termos de produtividade de Soja e Milho.

A SODEPAC está sendo gerida por técnicos capacitados que demonstraram saber exatamente o que querem e como fazer para que o Projeto se torne uma realidade. O Presidente da Empresa é o Engenheiro Agrônomo Carlos Fernandes, que no passado foi Ministro da Agricultura de Angola.

Pelo que vi, Angola está priorizando a produção de Milho e Soja como meio para viabilizar a instalação de grandes industrias processadoras de proteínas de ciclo rápido (Aves, Suinos e Peixes).

Há também um enorme interesse de atrair Pecuaristas brasileiros, mas o País se ressente da falta de matrizes, sendo necessária a importação de uma grande quantidade de animais para formação dos rebanhos. 

A Segurança Alimentar está realmente sendo tratada como questão estratégica pelo Estado.

O mercado externo deverá ser o próximo passo. A presença massiva dos chineses na região indica claramente que essa tendência é sólida. 

Falta apenas a construção de um Porto graneleiro com capacidade para movimentar navios de grande porte, o que definitivamente não será problema para os chineses, tendo em vista o know how que possuem nessa matéria, a existência de uma malha ferroviária moderna e boas estradas que, diga-se de passagem, causam inveja as nossas no Mato Grosso.

Parece que os Angolanos estão tirando lições valiosas da nossa incompetência quando o assunto é infra-estrutura para o escoamento da produção. Por outro lado, estão aproveitando muito bem os nossos bons exemplos e já viram que o Brasil se tornou uma potência econômica que é hoje devido a força do Agronegócio.

Há tempos que afirmo que não tardará muito para que o tabuleiro mundial da produção de alimentos mude com a inserção ativa do continente africano. Saio de Angola novamente com essa convicção ainda mais fortalecida. 

Eduardo Lima Porto