Mostrando postagens com marcador Risco de Crédito. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Risco de Crédito. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Previsões de Safra - Futurologia ou Manipulação?

Nos últimos meses, depois de termos enfrentado inúmeros problemas causados pela quebra da safra de soja e de milho em diversas regiões do Brasil, o mercado voltou a atenção para o dimensionamento da produção americana e os reflexos que o volume disponibilizado poderia gerar no setor.
A amplitude das apostas sempre é grande, a começar pelo USDA, que é religiosamente seguido por uma infinidade de produtores, indústrias, bancos, fundos de investimentos e analistas no mundo inteiro. 
Cada um possui uma teoria (original ou não) sobre o futuro dos preços.
Interessante é que muito poucos ousam desafiar as predições do “todo poderoso” USDA. 
Aqui no Brasil, pelo que sei, apenas o meu amigo Liones Severo é que tem tido o peito de contestar abertamente os dados vindos dos Estados Unidos, com impressionante assertividade. Há quem o considere um “herege” por isso.
Gráfico Eduardo Lima Porto
Heresia ou não, o fato é que o USDA tem cometido, historicamente, falhas nas suas previsões de safra, de demanda interna e de exportação, assim como na quantificação do estoque final.
Essa última informação, em especial, é relevante para o nosso planejamento produtivo, comercial e econômico, afetando diretamente o comportamento dos preços no mercado internacional.
O USDA já foi obrigado a realizar “ajustes” em diversas situações, conforme demonstra o gráfico acima, elaborado pela consultoria americana AgTraderTalk.
 
Não tenho conhecimento suficiente para afirmar, sem medo de cometer injustiças ou leviandades, que o USDA não detém corpo técnico capacitado, sistemas de coleta de informação confiável ou metodologia adequada para a apuração dos números que o mundo agrícola e financeiro espera com tanta ansiedade.
Também não posso me posicionar em torno de eventuais interesses ocultos do governo americano de manipular informações tão importantes.
Me cabe apenas considerar de forma serena que o USDA também comete erros. Aliás, isso está estatisticamente comprovado.
Se nos Estados Unidos que é o País mais Rico e tecnologicamente avançado do Mundo essa situação é possível, o que dizer então do Brasil?
Recentemente, a imprensa nacional e estrangeira vem repercutindo a visão de alguns renomados analistas e da própria CONAB de que deveremos ter uma Safra “Recorde”.
Supostamente, tais previsões já estariam incorporadas aos preços futuros.
No caso da soja, tem se falado na possibilidade de uma colheita superior a 101 milhões de toneladas.
Com o devido respeito que os noveis analistas merecem, assim como os técnicos que trabalham na CONAB, me permitirei divergir acerca do volume previsto nesse momento específico (meados de Novembro).
Minha discrepância está alicerçada nas seguintes razões:
1)    Incerteza em relação ao clima devido a formação do fenômeno La Niña, tido até agora como de  intensidade fraca-moderada, mas que ainda pode causar algum déficit hídrico no Sul e eventuais excessos pontuais de chuva no Centro-Oeste capazes de reduzir a produtividade;
2)    Endividamento elevado;
3)    Escassez e restrições de Crédito em todas as regiões do País;
4)    Possibilidade da ocorrência de pragas e doenças de difícil controle.
Considero que a Água é o principal insumo da agricultura. Sem ela, ainda que se tenha a melhor tecnologia disponível, o resultado da produção será desprezível ou nulo.
Como não sou meteorologista, não vou me aventurar a discorrer sobre um assunto tão complexo.
Me sinto mais à vontade para tratar do segundo insumo mais importante, que é o Crédito.
Posso dar alguns pitacos sobre os efeitos econômicos causados pelas Pragas e Doenças, mesmo não sendo Agrônomo, já que os últimos prejuízos ainda fazem parte da lembrança de muita gente.
As dívidas de safras passadas e a quebra verificada em 2016 agravaram significativamente a capacidade de Geração de Caixa dos Produtores, sendo consenso que a intensidade do problema adquiriu uma condição muito preocupante em diversas regiões, especialmente no MATOPIBA e no sul do RS, assim como em diferentes áreas do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás.
Desde 2015, verifica-se uma quantidade impressionante de pedidos de Recuperação Judicial envolvendo desde Grandes Produtores a Revendas com faturamento de centenas de milhões de reais. Se a crise não poupou os grandes, desnecessário falar do que aconteceu aos menores.
O alcance em termos de área cultivável é difícil de estimar, mas a julgar pelo porte de alguns Grupos tradicionais, apenas no Estado do Mato Grosso, é possível que a superfície em severas dificuldades financeiras supere bem mais do que 1 milhão de hectares.
A percepção de risco do setor aumentou significativamente.
A indústria de Defensivos Agrícolas e os Revendedores têm assumido boa parte do financiamento de capital de giro necessário para produção de grãos, a partir da concessão do “prazo-safra” configurado através das operações de Barter.
A negociação do passivo acumulado de anos anteriores, muitas vezes sujeito a variação cambial e a juros elevados, somado às exigências de reposicionamento dos limites de crédito constituem um desafio de enorme dimensão.
As Tradings, que também são responsáveis por uma parcela crescente da liquidez na área de insumos e do escoamento da produção, não demonstram estar atuando de maneira muito agressiva em termos de exposição de risco para garantir a originação.
 
Talvez por isso que o percentual de vendas antecipadas até o momento esteja comparativamente menor em relação ao ano passado, embora tenha se verificado nos últimos dias um intenso movimento de fixações por conta da desvalorização cambial.
Não bastassem as chuvas desuniformes, Amigos do Tocantins contaram que a liberação do crédito junto ao Banco do Brasil foi muito difícil e teriam ocorrido diminuições dos limites, inclusive para Produtores de bom histórico.
A título de referência, um desses Amigos está esperando há dois anos pela indenização do Seguro Agrícola e até agora, nada. Comentou que o caso dele não é isolado no Estado.
Reflexões
Existe estoque suficiente de Defensivos posicionados no campo para resolver, em tempo e forma, uma possível demanda emergencial?
Teriam as Indústrias e Revendedores estabelecido um acordo de repactuação das dívidas e a flexibilização dos critérios de concessão de crédito para que não falte insumos na quantidade e na qualidade necessárias?
Destaquei “qualidade” de propósito porque há o risco efetivo de que estoques de safras anteriores estejam com os ingredientes ativos vencidos ou apresentem uma redução da eficiência em função da degradação natural dos seus componentes, das condições de armazenagem, temperatura, etc.
Vou assumir, apenas por amor ao debate, que os graves problemas   tenham sido temporariamente resolvidos, que haja suficiente quantidade de insumos no campo, que as pragas e doenças não venham a causar um dano representativo e que os modelos climáticos garantam que não haverão eventos prejudiciais. 
A partir de uma combinação bem calibrada dos fatores acima, é possível inferir com razoável grau de assertividade que as previsões otimistas da CONAB, reverberadas por inúmeros Analistas e Consultorias, poderão se confirmar.
Politicamente, parece óbvio que a previsão de uma colheita farta favoreça temporariamente o Governo Temer, que anda fustigado por suspeitas de envolvimento nas tramas investigadas pela Operação Lava-Jato e ajudaria a minimizar a percepção de que a Economia não está se recuperando.
Entretanto, há enorme possibilidade de que a CONAB venha a reconsiderar os números anunciados, a exemplo do que ocorre de maneira recorrente nos Estados Unidos.
Se isso acontecer, veremos não só ajustes da oferta e das projeções de estoque de passagem, mas principalmente muita volatilidade e incertezas sobre o comportamento dos Preços Futuros da Soja em 2017.
Nessa linha de raciocínio, contesto também os prognósticos para a produção do Milho Safrinha, tendo em vista o alto grau de interdependência desse cultivo com os resultados auferidos a partir da colheita da Soja.
Se assim não fosse, seria lícito afirmar que os Produtores não dependem do sucesso da Soja para pagar as contas, liberar limites de crédito e se capitalizar minimamente.
Prudência e Caldo de Galinha nunca fizeram mal, ainda mais em momentos como esse.
Podemos nos posicionar com segurança no que diz respeito ao comportamento de curto prazo do Cambio e das Taxas de Juros Internacionais? 
Em que grau estes fatores afetarão a disponibilidade de Crédito e o Fluxo de Caixa dos Agricultores?
De que forma o Setor Agrícola se ajustará para atender aos requisitos exigidos pela Convenção de Basileia III? (vou abordar esse tema em breve).
Poderia elaborar uma série de questionamentos adicionais na tentativa de construir um cenário de relativa consistência técnica para obtenção de um prognóstico razoável da Safra e efeitos subjacentes, ainda assim, com a quantidade de incertezas que pairam no Mundo, me parece que seria um exercício de futurologia, daqueles que se justificam numa mesa de boteco, entre Amigos e sabendo que ninguém se lembrará do que foi dito no dia seguinte.
Reconheço minha absoluta insignificância diante do imponderável e por isso me absterei de oferecer previsões dessa magnitude. 
Não quero ser acusado depois de haver manipulado o mercado no sentido de influenciar movimentos massivos de compra e venda em Chicago, de alterar a programação dos importadores e, muito menos, de ter sido o responsável por falências, divórcios ou coisas piores.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Agricultor, você daria Crédito ao seu Comprador?


A maior parte dos Agricultores, produtores de grãos, depende da concessão de crédito fornecido por terceiros. Nomeadamente, Bancos, Fornecedores de Insumos e Compradores (Tradings).

A disponibilidade do crédito para o custeio da produção tem variado muito nos últimos anos, respondendo basicamente aos efeitos causados por ciclos macroeconômicos de expansão ou retração, que abarcam uma infinidade de variáveis: (i) preços das commodities e fatores subjacentes; (ii) cambio internacional; (iii) taxa de juros doméstica e estrangeira; (iv) qualificações de risco; etc…

Nos últimos 10 anos, verificou-se um notável crescimento da participação de fornecedores de insumos e exportadores na composição do custeio, diminuindo sensivelmente a presença dos Bancos, seja pelo excesso de burocracia e morosidade que apresentam, seja pela falta de interesse do sistema financeiro de atuar mais ativamente no setor.

As práticas comerciais e financeiras que foram se consolidando nesse período literalmente deixarão de existir, o que causará um impacto dramático na estrutura do Agronegócio.

O excesso de liquidez e os preços altamente favoráveis da Soja, como se verificou entre 2011 e parte de 2014, deram azo a ações irresponsáveis e permissivas em relação ao crédito que desafiaram preceitos básicos de Economia. Essa conjuntura, possivelmente não voltará.

As correções ou ajustes necessários do sistema não são indolores e tampouco isentos de falhas.

Nessa altura do ano em que a colheita da Soja em diversas regiões já permite antever o volume real que estará sendo posto na Economia, surgem várias incertezas para quem costuma olhar um pouco além, que por hábito ou necessidade, nessa época costuma iniciar a construção de cenários para elaboração de uma estratégia para a próxima Safra.

Considerando a gravidade da inadimplência setorial que está levando à falência alguns Grupos tradicionais e a uma enxurrada de pedidos de Recuperação Judicial de centenas de Agricultores, puxando no reboque a várias Revendas e Industrias de Insumos, de que forma será possível obter crédito (prazo-safra) em condições economicamente aceitáveis daqui para frente?

O Governo que se encontra totalmente quebrado será a solução mágica? 

Os Bancos Oficiais, igualmente exauridos, irão ampliar o volume de dinheiro para compensar uma redução, tida como mais do que certa, da presença dos fornecedores de insumos nas operações Prazo-Safra?

E as Tradings, estarão dispostas a suprir essa deficiência depois de uma história de disputas e quebras de contratos como os verificados em 2004/2005?

Estas são apenas algumas das inquietudes que me levam a pensar sobre o negocio agrícola em 2016 no Brasil. Tenho muitas outras dúvidas, as quais poderiam aborrecer aos que acreditam que na última hora “tudo se ajeita”.

“Bons resultados do passado, não são uma garantia de repetição para o futuro”. A conjuntura atual faz dessa frase quase que um Axioma da Física.

Há muito tempo que chamo a atenção de Clientes e Amigos do Agro para a necessidade de profissionalizarem a atividade do ponto de vista econômico-contábil-financeiro. Não basta apenas sermos bons da porteira pra dentro, auferindo ganhos de produtividade ano-a-ano, gerando benfeitorias na propriedade, circulando riquezas na economia regional, etc.

Cada vez mais, o produtor deverá conscientizar-se da necessidade de demonstrar “Governança” na gestão do seu negócio.

Desde a crise de 2008 que as principais Seguradoras de Crédito deixaram de dar cobertura para as Industrias ou para as Revendas de Insumos. Sabem a razão? Por que não se consegue visualizar com clareza o risco individual dos Agricultores, que são os principais clientes dessas empresas.

O fato de um Agricultor Profissional mover milhões de Reais por ano, deter um patrimônio milionário e não apresentar Demonstrações Contábeis coerentes com as normas exigidas, acarreta uma enorme incerteza por parte de quem tem a função de decidir ou não sobre a concessão de um crédito.

O mercado caminha a passos largos para a desintermediação dos processos, o que em certa medida é bom porque eliminam-se muitos custos agregados e aumenta-se a competitividade, porém essa conjuntura traz consigo um enorme desafio cultural e empresarial para o Agricultor Médio.

Alguém sabe o que significa a relação "Dívidas Líquidas/EBITDA"? Em termos simples, é um índice que demonstra a geração de caixa obtida nas operações para fazer frente às dívidas. 

Cada vez mais, a visualização clara desse tipo de indicador será exigida no Agro. De que forma, um Analista de Crédito poderia avaliar a atividade de um Agricultor sem ter a frente Demonstrações Contábeis elaboradas de maneira consistente?

Sinto dizer que, quem não se preparar seriamente para isso, terá muitos problemas para obter crédito. As exigências de maiores e melhores garantias no cumprimento dos contratos irá afetar decisivamente a viabilidade econômica de milhares de Agricultores que, até então, nunca precisaram se preocupar com essa classe de questões.

O Prazo-Safra embute o custo financeiro de operações como o Desconto de Duplicatas (hoje em torno de 30% a.a.), além de ser normal a inserção um "fator de risco de inadimplência” sobre os preços dos insumos. "O Bom Pagador" sempre pagará o ônus do "Mal Pagador”. E essa regra não será quebrada.

Recordo que em 2013, na época em que era Diretor de uma Industria Química, visitei um Produtor Paranaense considerado um dos mais influentes da sua região. 

Depois de conversarmos um pouco sobre os insumos e o mercado de maneira genérica, me foi colocado de maneira comercialmente “agressiva” que a condição de pagamento para que viesse a fechar a venda seria diferente da tradicional, pelo fato de muitos fornecedores disputarem um espaço naquela propriedade. Disse que comprava com prazos superiores a 12 meses.

Tendo escutado atentamente a proposição, perguntei se me poderia fornecer os Balanços a fim de que pudesse analisar a possibilidade da concessão do crédito. Me deparei com uma resposta muito mal educada, de alguém que parecia ter escutado uma ofensa imperdoável. O clima ficou pesado na hora.

Na tentativa de aliviar a tensão, comentei com o Produtor que eu também era Comprador de Soja e que tinha interesse de fazer negocios com ele. 

Me perguntou quanto pagaria pela Soja naquele momento e lhe respondi que isso dependeria muito do prazo, agregando que não teria problemas de aceitar uma condição semelhante àquela que me havia sido proposta.

A reunião terminou na hora. Sem que pudéssemos ao menos encontrar um ponto de convergência. 

Recentemente, tomei conhecimento de que o referido Agricultor se encontra em Recuperação Judicial, causou problemas financeiros gravíssimos a seus fornecedores de insumos, está inadimplente com o Banco onde tomou financiamento em Dólares e deixou dívidas incobráveis na Praça, onde antes era mais temido do que respeitado. 

Moral da História, os tempos estão mudando e o que valia antes, não é garantia de que valerá amanhã. 

Quem poderia dizer que a Syngenta seria comprada por um Grupo Chinês totalmente desconhecido por aqui? Por conhecer bem os chineses, duvido muito que os atuais donos dessa Gigante Multinacional sejam tão condescendentes na liberação de crédito, como foram os anteriores.

O Agricultor deve ter em mente que para obter crédito com terceiros, terá que aumentar significativamente o nível de segurança e visibilidade institucional da sua atividade.

Afinal, R$ 1,00 vale rigorosamente a mesma coisa para todos, independente se alguém planta, vende um insumo ou se dedica a cortar cabelo.

Eduardo Lima Porto