Na semana passada, ao tomar conhecimento da concessão
de uma tutela antecipada que proibia a cobrança dos royalties da Monsanto sobre
a tecnologia Intacta, decidi me aprofundar no assunto e fiquei literalmente
assustado.
Postei alguns comentários no “Fala Produtor” do Notícias
Agrícolas, tratando de chamar a atenção, principalmente ao fato de que essa
medida poderia gerar uma repercussão imediata na China que é o nosso principal
destino de exportação.
Não me cabe discutir a legitimidade das partes para
defesa de suas teses. Apesar de não ser Advogado e não querer parecer
presunçoso, a experiência e o conhecimento de assuntos mais complexos, me
permitem a construção de um posicionamento claro a respeito dessa controvérsia.
Acredito que os Agricultores representados na Ação
possuem o Direito de pleitear o que lhes pareça correto, buscando esgotar todas
as vias possíveis de negociação na defesa dos seus interesses.
Me parece, também, que a Monsanto têm o Direito
inquestionável de remunerar-se através dos Royalties pelo desenvolvimento e
comercialização da nova tecnologia incorporada nas Sementes Intacta.
O cerne do que quero expor não reside nas questões
vinculadas aos Direitos das partes.
Minha preocupação está centrada nas consequências
imediatas e de médio prazo que essa medida poderá acarretar no mercado
comprador, pois isso traz um risco concreto de rejeição de embarques,
justamente num momento em que o setor enfrenta uma situação econômica muito fragilizada.
Pelo fato de não termos uma cultura “exportadora”
disseminada e devidamente compreendida por toda a Cadeia de Produção da Soja,
existem procedimentos relacionados a comercialização que são absolutamente
desconhecidos da maior parte dos Agricultores e até mesmo de grandes empresas
Cerealistas ou Cooperativas.
Vou me concentrar na China pelo fato de estarmos
embarcando para esse mercado quase 40 milhões de toneladas de Soja em grão.
Em termos gerais, pode-se afirmar que os chineses não
possuem uma boa aceitação para os produtos transgênicos. Trata-se de um assunto
extremamente polêmico por lá.
Entretanto, devido a melhoria expressiva da capacidade
de consumo de centenas de milhões de habitantes nos últimos anos,
incrementou-se muito a demanda por proteínas vegetais de ciclo curto para
alimentação animal. Tal situação, foi a que justificou pesadamente a entrada da
China no mercado internacional como Importador de Soja.
As importações chinesas destinam-se exclusivamente a
transformação do grão em Farelo e Óleo, já que para o consumo humano, o País
produz ao redor de 11 milhões de Soja Convencional (“GMO-Free”),
majoritariamente, nas Províncias do Norte (Heilongjiang, Jiling e Liaoning).
A comercialização de qualquer variedade transgênica
na China está subordinada a um rigoroso processo de avaliação e fiscalização,
cuja rastreabilidade é determinada por embarque.
O Ministério da Agricultura da China (MOA) e o
Departamento de Inspeção e Quarentena são os principais responsáveis pela
liberação dos carregamentos agrícolas que ingressam no País.
No caso da Soja, as empresas de biotecnologia como a
Monsanto, Basf, Dupont, Syngenta, Bayer, entre outras, devem necessariamente se
submeter ao processo de aprovação prévia para efeito de comercialização.
Tomando a Monsanto como base, a empresa deve oferecer
garantias concretas de que o produto originário das suas sementes transgênicas
corresponde rigorosamente aos parâmetros aprovados.
Há uma enorme preocupação das autoridades chinesas em
relação a qualidade, biossegurança e a sanidade dos grãos.
Para isso, exige-se que todo e qualquer Exportador
seja devidamente certificado e registrado junto ao Ministério da Agricultura da
China. Sem esta licença obtida por intermédio da Monsanto ou através das outras
detentoras de tecnologias aprovadas, nenhum lote poderá ser liberado para
ingresso no País. Da mesma forma, todos os Importadores estão submetidos a
regras semelhantes que permitem o acompanhamento total do processo.
Trata-se de uma rede de informação complexa que
possui diferentes níveis de responsabilidade envolvendo vários integrantes da
Cadeia de Fornecimento.
A título de informação, transcrevo abaixo 3 links
disponibilizados pelas empresas detentoras que demonstram os procedimentos para
Registro de Exportadores:
O assunto é tão sério para os chineses, que no ano
passado foram cancelados contratos envolvendo mais de 600.000 toneladas de
Milho Americano contendo uma variedade desenvolvida pela Syngenta, que naquele
momento ainda não estava aprovada.
Empresas do porte da Cargill sofreram prejuízos
milionários, assim como algumas Cooperativas que já estavam vendendo
diretamente para aquele mercado.
Atualmente, é de conhecimento que alguns prejudicados
estão processando a Syngenta por haver liberado a semente para comercialização,
sob o argumento de que não houve a devida comunicação sobre o fato de que o
produto estava pendente de aprovação na China.
Claro está que ambientes altamente regulados favorecem
muito as grandes empresas do setor, pois o cruzamento de informações permite a
verificação, por exemplo, se os Royalties recebidos de uma determinada região
correspondem ou não ao volume de sementes comercializada.
Mesmo não querendo entrar no mérito do pleito
judicial, é certo que o Agricultor possui o Direito assegurado por Lei de
reservar uma parte das sementes adquiridas para o replantio, sendo expressamente
vedada a revenda do produto. No entanto, é sabido que a comercialização de sementes
pirateadas é uma prática que permanece disseminada em determinadas regiões.
Por outro lado, há que se considerar que as
diferenças de produtividade, de região para região e mesmo de Agricultor para
Agricultor, podem variar muito e ainda suscitar questionamentos por parte de
qualquer um dos participantes da Cadeia de Produção no que tange aos valores
que poderão ser ou não devidos a título de royalties.
Na essência, o objetivo da rastreabilidade é
plenamente justificável. Porém, os custos indiretos desse processo não são
demonstrados de maneira transparente.
Nesse sentido, é imperativo que o Agricultor tenha
absoluto conhecimento dos procedimentos administrativos que terá de implantar,
a fim de que a conveniência na adoção da tecnologia seja plenamente avaliada.
Na hora de vender a semente, fala-se muito dos
benefícios e dos lucros potenciais, mas se discorre pouco ou quase nada sobre
as obrigações.
O contexto está permeado de enorme desinformação, o
que explica, em parte, o desentendimento constante em relação a parcela dos
royalties que é cobrada na moega.
Concretamente, o percentual de 7,5% cobrado no
recebimento se refere a lotes que não tenham tido a sua origem devidamente
comprovada. Quem adquire a semente certificada, já paga os royalties que estão
embutidos no preço.
A discussão tornada pública na semana passada transbordou
para reclamações em relação ao custo das sementes.
No meu humilde entendimento, trata-se de uma questão
de mercado e que nada teria a ver com a judicialização perseguida e/ou com a interferência
do Governo no assunto.
Com o devido respeito a opiniões divergentes, me
parece que ao admitir semelhante postulação, estaremos, ao mesmo tempo, abrindo
o espaço para o debate de assuntos com elevado conteúdo ideológico e que definitivamente
não interessam para a Agricultura.
Há que se mencionar também o elevado risco que a
medida traz do ponto de vista econômico, pois a determinação judicial obtida em
caráter provisório, por certo que não terá o poder de alterar a regulamentação
do mercado chinês, apenas para citar o nosso maior comprador.
Os chineses tratam as importações de Soja de maneira
estratégica, possuem “bala na agulha” de sobra para impor qualquer retaliação,
seja de ordem tarifária ou não, em relação a Soja brasileira ou qualquer outro
produto que lhes pareça conveniente.
Há poucas semanas do início do plantio, há que se
levar em conta que milhares de adquirentes da Semente Intacta no Brasil afora,
eventualmente, poderão não querer estar submetidos às incertezas de terem
problemas de comercialização.
Finalizo as minhas ponderações com alguns
questionamentos de ordem reflexiva:
a) Houve o cuidado de se estabelecer uma negociação
prévia com o Governo Chinês
acerca da necessidade de se mudar o sistema de
rastreabilidade, por conta da insatisfação dos produtores com a cobrança dos
royalties?
2 b) Tendo em vista a magnitude da controvérsia, no caso
do pleito não resultar conforme esperado, quem assumirá os prejuízos que
poderão advir?
3 c) As Tradings são responsáveis pela viabilização da
maior parte do que é exportado para a China. Em muitos casos, também atuam como
financiadoras da produção agrícola. A discussão sobre os efeitos e riscos da
medida judicial contou com a participação delas?
O tema é amplo e bastante complexo, sendo no mínimo
prudente que se estabeleça uma discussão transparente e pública, não limitada
aos interesses mais imediatos de uma parte da Cadeia Produtiva.
Definitivamente, em matéria de Economia e Diplomacia
Comercial, nós estamos muito distantes de sermos uma referência no Mundo.
Eduardo Lima Porto