quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Agricultura Lesionada - Margens Abusivas e Endividamento


Primeiramente, quero alertar que esse Artigo é extenso, aborda um tema muito polêmico e de certa complexidade, o que poderá gerar controvérsias com setores tradicionais do Agro e certamente o desinteresse daqueles que buscam informação pasteurizada para consumo rápido.

Me cabe também salientar que sou um "Liberal Conservador", daqueles que defendem ferrenhamente a Liberdade de Mercado, dentro de padrões socialmente justos e juridicamente aceitáveis.

Sou absolutamente contrário ao Intervencionismo Estatal nas atividades econômicas.

Abomino o "Paternalismo", o "Subvencionismo", assim como toda e qualquer forma de favorecimento setorial. Detesto ouvir falar de "Preços Mínimos", "Juros Subsidiados", etc.

Na minha opinião, o Lucro é Sagrado quando oriundo de uma atividade lícita, nobre e de alto risco como a Agricultura. Mas também considero que o Produtor Rural deve assumir a responsabilidade pelo Prejuízo gerado por suas decisões, já que a ninguém cabe, muito menos ao Governo, ordenar-lhe o que plantar, onde, como e a que Preço. 

Feitos esses rápidos esclarecimentos conceituais, passo a discorrer sobre o tema central desse trabalho.

Há tempos que sustento que o Agricultor Brasileiro, independentemente do seu porte, sofre uma desvantagem enorme na sua relação negocial com a Industria de Defensivos Agrícolas.

Tem sido uma discussão inerte ou como bem diz o João Batista Olivi: "Uma Pregação no Deserto". 

Mas algo me compele a insistir nesse assunto, a despeito de muitos já terem me chamado de "Louco", "Radical", etc. 

Não tenho o Rabo Preso com a Industria de Defensivos.


Enquanto a composição dos Custos de Produção dos mais variados cultivos são amplamente divulgados pela Imprensa e pelas Entidades que representam os Produtores, a Industria de Defensivos protege vigorosamente as suas informações, seja pela existência de eventuais Direitos Patentários, seja porque o setor literalmente não tem interesse de difundir os preços praticados em outros Mercados, muito menos como os produtos são fabricados.

A assimetria do conhecimento, nesse caso em concreto, converte-se em vantagem econômica e competitiva.

Salvo raras excessões, a Industria Brasileira de Agroquímicos não se caracteriza por ser "sintetizadora" das moléculas contidas nos produtos vendidos ao Campo. A maior parte delas são "formuladoras" ou "misturadoras" de sais concentrados, majoritariamente importados da China.

Trata-se de um setor altamente regulado e de atuação globalizada, sujeito a padrões técnicos rigorosos estabelecidos por Organismos Internacionais como a FAO - (Food and Agriculture Organization) e pela WHO - World Health Organization (Organização Mundial da Saúde), ambas vinculadas às Nações Unidas.

No Brasil, em razão de um arcabouço legal distorcido e ultra-ineficiente, o Governo do PT criou uma "Ilha de Prosperidade" para as grandes industrias de Defensivos Agrícolas, dificultando escandalosamente o aumento da concorrência através de barreiras não-tarifárias e procedimentos que já foram objeto até de moções contra o Brasil no Mercosul e na Organização Mundial do Comércio.

Resultado disso, o Lobby multimilionário de um pequeno Grupo de Empresas, com o apoio de Políticos de diferentes matizes (inclusive da Bancada Ruralista), vem conseguindo evitar a chegada de novos competidores num mercado que é cobiçado por todas as Industrias do ramo no Mundo inteiro.

Como corolário, por aqui são vendidos produtos "genéricos" a preços de Griffe com diferenças em relação ao Custo de Importação que variam de 150% a 1.000%.

Entre o Custo de Importação e o Preço Final ao Agricultor, há que se incluir:

- ICMS - 4,8% (70% de redução s/ a base interestadual);
- Frete;
- Margem Média das Revendas - 15% a 25%;
- Custo Financeiro - Prazo Safra - 30% ao ano;
- Campanhas de Marketing, Bonificações, Rebates (Prêmios das Revendas e dos
  Vendedores), etc.

Não se pode inserir nessa Matriz outras despesas que certamente são contempladas na Formação dos Preços, como as polpudas remunerações dos Executivos, os escritórios em Edifícios sofisticados nos melhores Bairros de São Paulo, entre outras benesses cuja utilidade é tão discutível quanto àquelas que a Sociedade reclama quando se refere ao Custo de Brasília.
  
Você nunca verá o meu nome em qualquer evento do Agro, onde os Patrocinadores Platinum, Ouro, Bronze ou Latão sejam qualquer das empresas do Setor. 

Admitindo, apenas por Amor ao Debate, que fosse permitido aos Agricultores importarem diretamente os Defensivos utilizados na cultura da Soja, a Economia Potencial seria muito significativa.

No ano passado, a CustodoAgro fez alguns exercícios tomando como base um desembolso com Agroquímicos equivalente a 13 sacos/ha no Mato Grosso. 

Considerando uma redução da ordem de 40% nos custos nominais desses produtos, obteria-se um quadro mais ou menos da seguinte forma:

- Preço Referencial da Soja = R$ 55,00/sc;
- Área Plantada no MT (Safra 2015/2016)* = 9.140.000 hectares;
- Redução Desembolso = 13 scs/ha x 0,4 = 5,2 scs/ha
- Economia/ha = 5,2 scs x R$ 55,00 = R$ 286,00/ha
- Renda Adicional Produtor = R$ 286,00/ha x 9.140.000ha = R$ 2.614.040.000,00

* Dados da CONAB.

Isso mesmo, Dois Bilhões, Seiscentos e Quatorze Milhões e Quarenta Mil Reais

A cada 1.000 hectares, seriam Duzentos e Oitenta e Seis Mil Reais que poderiam ser investidos pelo Produtor e que ficam retidos na estrutura difusa da Industria de Agrotóxicos. Esse cálculo contemplou somente o Estado do Mato Grosso com o cultivo da Soja.

Esse montante é 4x superior ao valor que o Governo Federal deixou de repassar como Subvenção ao Seguro Rural no ano passado e quase o dobro do que se ventila atualmente que virá a ser o Programa de "Preços Mínimos" do Milho para o ano que vem.

Sou partidário de que essa Margem deveria ser administrada pelo próprio Agricultor, que através dessa economia poderia pagar tranquilamente o Prêmio do Seguro contra adversidades climáticas e lhe sobraria caixa suficiente para fazer "Hedge" na Bolsa de Chicago ou na BM&F.

O volume de recursos que é drenado dos Produtores, em última instância, causa um enorme Prejuízo para o próprio Estado, na medida em que milhares de postos de trabalho deixam de ser gerados nos locais onde a Riqueza é produzida, sem falar na impossibilidade de destinar parte desse montante para investimentos essenciais.

Num mercado do tamanho do Brasil, o marco regulatório dos Agrotóxicos resulta indefensável e pode ser considerado outro "Crime de Responsabilidade" do Governo Petista.

Não fossem as dificuldades burocráticas, a fila de anos de espera e de incerteza para liberação de um registro, os gastos absurdos cobrados para repetição de testes já realizados nos países de origem, entre outros disparates que só existem por aqui, certamente que o custo dos Defensivos Agrícolas seria muito menor no Brasil, eliminando-se a prática das Margens Abusivas.

Entendam bem que não estou culpando a Industria de Defensivos por ganhar muito mais dinheiro no Brasil do que em outros países onde a concorrência é mais acirrada. 

Muito pelo contrário, direciono a minha bronca para quem deveria defender os interesses dos Agricultores e que não o faz corretamente. 

Gastam-se milhões por ano na organização de eventos "patrocinados" (por quem?) que reúnem "Especialistas" dedicados ao discurso enfadonho do vitimismo, ao Teatro das Lamúrias e absolutamente nada para tratar de mecanismos que aprimorem o funcionamento do Mercado, permitindo que os Agricultores tenham mais CONHECIMENTO e LIBERDADE de ação.

Atribuo também a responsabilidade dessa situação a nossa própria incompetência e comodismo setorial. 

Os fornecedores que temos, bem ou mal, estão trabalhando e assumindo parte dos Riscos que deveriam estar alocados no Sistema Financeiro.

Da Necessidade de Financiamento para o Custeio

É publicamente conhecida a incapacidade do Estado Brasileiro de financiar adequadamente às necessidades de custeio da Agricultura, tanto na esfera familiar quanto empresarial.

A participação dos Bancos Privados no custeio é também muito reduzida, ficando o Agricultor na dependência de implementar sua atividade com recursos próprios e/ou obtidos no Mercado de "Taxas Livres", principalmente junto aos Fabricantes de Defensivos e Tradings.

Com o agravamento da crise econômica que resultou no rebaixamento da qualificação de Risco do Brasil, somado a uma sucessão de quebras de produção provocada por adversidades climáticas e ocorrência de Pragas e Doenças, a disponibilidade de crédito se tornou escassa e acirrou as condições em termos de exigibilidade de garantias, especialmente no Centro-Oeste.

Não é de hoje que se fala que a Agricultura é a base de sustentação do País.

Em 1965, o Governo promulgou a Lei do Crédito Rural (Lei 4.829/65), cujos objetivos foram devidamente descritos no Art. 3°:

I - Estipular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por Cooperativas ou pelo Produtor na sua propriedade rural; II - Favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários; III - Possibilitar o fortalecimento econômico dos Produtores Rurais, notadamente pequenos e médios; e, IV - Incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e a melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo.

Apesar da Lei ainda estar vigente, não é necessário maior aprofundamento para se verificar o seu total descumprimento, seja pelo Governo Federal, seja pelo próprio Judiciário.

No discurso dos Políticos e na letra morta da Lei, o Crédito Rural é tido como de natureza "Pública".

Em nosso humilde entendimento, trata-se de uma visão Estatista e Paternalista, mas que se explica dado o momento histórico em que ocorreu. Infelizmente, conceitos antiquados e que se mostraram inviáveis ao longo dos últimos 50 anos, continuam a ser proferidos pelos Políticos, Representantes do Agro e pela Imprensa como a "Salvação da Lavoura".

Nem a disseminação das CPR's conseguiu trazer equilíbrio e liquidez ao Mercado Agrícola, como se pensava.

Converteu-se um instrumento inteligente e que foi concebido para ser uma ferramenta de captação financeira de baixo custo, num mecanismo que têm sido aplicado de forma tremendamente onerosa contra o Produtor, sujeitando-o, não só ao oferecimento do penhor da produção para entrega futura numa equivalência de até 150% do valor antecipado na forma de insumos (Barter), mas também a incorporação de garantias acessórias, como a Hipoteca em 1° grau da propriedade.

O Produtor perde, inclusive, a oportunidade de aproveitar o "Prêmio de Exportação" que se incorpora ao Preço da Soja no interior após a colheita.

Considerando que as margens dos Defensivos Agrícolas podem variar de 150% a 1.000% (diferença entre o Preço Final e o Custo de Importação), mais o Custo Financeiro aplicado nas operações denominadas "Prazo Safra" e a exigência cada vez maior de garantias, seja pelo Penhor da Produção e/ou pela Hipoteca, podemos afirmar sem Medo, que milhares de Agricultores no Brasil encontram-se submetidos ao jugo de verdadeiros "AGIOTAS".

Não há operação de AGIOTAGEM que proporcione uma remuneração tão elevada em tão pouco tempo.

Muitos Agricultores faliram ou estão prestes à falência, outros tantos inclusive faleceram devido a enorme pressão psicológica gerada pelo Endividamento e pela perda de um Patrimônio construído, não raras vezes com muito sacrifício.

Da Teoria da Lesão - "Usura Real"

A Teoria da Lesão trata de uma situação bem tipificada e que ocorre quando uma das partes obtém vantagem desproporcional, em prejuízo da parte que contratou, por inexperiência ou diante de uma necessidade urgente (Art. 157 do Código Civil).

As Margens de Lucro "Abusivas" são objeto de prevenção legal desde a época de Aristóteles, tendo motivado a sua descrição em quase todas as legislações.

Não sou Advogado, porém considero que o conhecimento da Lei é obrigação de qualquer cidadão que saiba ler. Como a interpretação do que está escrito não é uma prerrogativa exclusiva dessa categoria profissional (por mais que eles queiram), me permitirei analisar algumas questões, mesmo sabendo que alguns dispositivos poderão estar eventualmente desatualizados.

A denominada Lei dos "Crimes contra a Economia Popular" (Lei 1.521/51) estabelece em seu Art. 4°, alínea "b", que é passível de penalidade o sujeito que "obter ou estipular, em qualquer Contrato, abusando da premente necessidade e inexperiência da outra parte, Lucro Patrimonial que exceda o quinto do valor corrente justo da prestação feita ou prometida".

Entende-se por "valor corrente" ou "valor justo" aquele constante das cotações oficiais ou obtidos junto às Bolsas de Mercadorias (BM&F, CBOT, etc).

Tendo em vista que os preços dos Agroquímicos não são cotados de maneira transparente, sendo determinados basicamente no Exterior onde se localizam os principais fornecedores das moléculas de base (China e India), podemos considerar que o mecanismo mais adequado para mensurar os valores "correntes" é o "Método dos Preços Independentes Comparados - PIC" (conhecido em inglês por "Comparable Uncontrolled Price Method - CUP).

Referido método é plenamente aceito pela Receita Federal para determinação dos "Preços de Transferência" e toma por base a média aritmética dos valores dos bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro ou em outros países, em operação de compra e venda sob condições de pagamento semelhantes.

Aqui cabe um rápido parêntesis. Já pensaram se a Receita Federal aplicasse de fato esse "Método" para avaliar as licitações superfaturadas? O mecanismo existe e daí é que se vê o auto grau de discricionariedade e interesse ideológico com que se fiscaliza ou se deixa de aplicar as normas no Brasil.

Voltando ao tema, a expressão "justo" que trata a Lei significaria o valor a ser apurado a partir do somatório dos seguintes fatores, acrescidos de uma margem de 20%: (i) o preço de custo ou valor FOB na origem (mercados relevantes, no caso China); (ii) o custo do frete; (iii) impostos e despesas adicionais incidentes sobre a transação.

A Lei ainda estabelece uma Pena de Detenção de seis meses a dois anos, estendendo seus efeitos aos Procuradores, Mandatários ou Mediadores, prevendo como circunstâncias agravantes do Crime de Usura:

- Ser cometido em época de Grave Crise Econômica;
- Ocasionar grave dano individual;
- Quando cometido em detrimento de Operário ou AGRICULTOR, de Menor de 18 anos ou
  de Deficiente Mental, interditado ou não.

Por fim, a Lei dos "Crimes contra a Economia Popular" determina expressamente que "a estipulação de juros ou LUCROS USURÁRIOS será nula, devendo o Juiz ajustá-los à medida legal, ou caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia já paga em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido".

A Constituição Federal de 1988 não foi omissa nesse aspecto, pois determinou no art. 173, parágrafos 4° e 5°, que a Lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos Lucros”.

Já a Lei 8.884/94, também chamada “Lei Antitruste”, destaca no art. 20, parágrafo 2°, que “ocorre posição dominante quando uma Empresa ou Grupo de Empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como Fornecedor, Intermediário, Adquirente ou Financiador de um Produto, Serviço ou Tecnologia a ele relativa”.

O parágrafo 3° do mesmo artigo dispõe que “a parcela de mercado referida no parágrafo anterior é presumido como sendo da ordem de 30% (trinta por cento)”.

Nesse sentido, cabe transcrever ainda o artigo 21, parágrafo único: “na caracterização da imposição de preços excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, considerar-se-á: (...); III – o preço dos produtos e serviços similares, ou sua evolução, em mercados competitivos comparáveis; IV – a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração de bem ou serviço ou dos respectivos custos”.

Nessa linha de entendimento para que o Lucro se torne Inconstitucional, basta que ele resulte de uma situação sobre a qual o detentor do meio de produção possua condição de força.

À luz de uma legislação equivocada e distorcida, que pode ter sido preparada sob medida para atender os interesses de determinados players do mercado e/ou de ONG's de viés socialista que advogam contra a Agricultura, gerou-se uma situação prejudicial à Economia do País e mais diretamente a milhares de Produtores Rurais.

Pelos motivos expostos, entendemos que a Agricultura Brasileira está sendo lesionada há muitos anos, seja pela Esperteza de alguns, pela rotunda Incompetência do Governo ou mesmo pela Inércia dos Representantes do Agro.

Para estes "líderes" é muito mais fácil bradar a esmo por subsídios ou pela assunção coletiva de prejuízos, causados ora por uma inversão dos preços de mercado, ora por algum problema climático que literalmente faz parte da natureza da atividade.

O Endividamento Agrícola deve sofrer uma revisão profunda da sua gênese, que muito tem a ver com relações de "troca" obscuras e valores abusivos, historicamente chancelados pelo Banco do Brasil e pelo Ministério da Agricultura.

A CustodoAgro, desde 2009, vêm divulgando os Preços Internacionais dos Insumos Agrícolas em comparação com os valores praticados no Brasil, seguindo a mesma "Metodologia" utilizada pelas principais multinacionais. 

Nossa idéia sempre foi contribuir para o aumento da competitividade da Agricultura, arrancando a cortina de desinformação existente no Setor e tornando mais justas às relações de Troca "Insumo/Produto".

No entanto, a "Batalha" é ingrata, difícil e contraria interesses que movimentam Bilhões de Reais.

Se os Agricultores através dos seus Sindicatos Regionais e Associações não se conscientizarem, pressionando seus Representantes e até mesmo os Políticos, no sentido de abrirem o mercado para Importação Direta e/ou para participação de um número maior de competidores no Setor de Agroquímicos, a Riqueza do Campo continuará a ser drenada com vigor para um pequeno Grupo.

A quem teve a paciência de ler até aqui, me despeço com a célebre reflexão de Don Quijote de La Mancha:

                         "Sonhar o Sonho Impossível,            
                           Sofrer a Angústia Implacável, 
                           Pisar onde os Bravos não ousam,
                           Reparar o Mal Irreparável, 
                           Amar um Amor casto à distância, 
                           Enfrentar o Inimigo invencível, 
                           Tentar quando as Forças se esvaem, 
                           Alcançar a Estrela Inatingível: 
                           Essa é a minha Busca".


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Seguro Rural - Pitaco, Palpite ou Opinião

Pedro Loyola é realmente um excelente Economista e profundo conhecedor sobre Seguro Rural. Há anos que atua nesse segmento e literalmente defende os interesses dos Agricultores. 

O Seguro como negócio se caracteriza por ser de natureza extremamente complexa, independentemente do Ramo que se venha a analisar, mais ainda em se tratando da Agricultura num País das dimensões continentais do Brasil e com a intensidade do impacto gerado na Economia a cada ocorrência de um Sinistro.

Os anos passam, entra e sai Governo, e as controvérsias envolvendo a Política de Seguro Agrícola continua, em que pese os esforços de técnicos reconhecidamente competentes e bem intencionados, como o Pedro Loyola.

Pedirei desculpas para um um rápido desvio no tema, pensando que poderá fazer sentido na elucidação do que pretendo expor logo adiante.

Qual é a diferença entre um Pitaco, um Palpite e uma Opinião? Os leitores saberiam dizer?

Aprendi a distinção entre os 3 conceitos numa Mesa de Bar em Sorriso há uns anos atrás, ocasião em que estava na presença de um Amigo (grande conhecedor do Mercado Insumos) e de um Produtor de Soja reconhecido na região pela boa gestão que realiza. Por uma questão de reserva, não exporei os nomes de ambos.

A resposta ao questionamento foi mais ou menos a seguinte:

1) Pitaco = Sugestão não solicitada. Típica de quem se mete onde não é chamado ou que “fala atoa”;
2) Palpite = Manifestação baseada no achismo ou desprovida de fundamentação científica, com enorme probabilidade de imprecisão conceitual e com certa chance para o acerto ou erro;
3) Opinião = Narrativa baseada em fundamentos, ainda que não comprovados cientificamente, mas que obedecem uma certa lógica que poderá resultar como preponderante, caso não haja uma abordagem contrária, cuja construção teórica venha a ser considerada mais relevante ou intelectualmente superior.

Dito isso, ao tecer comentários sobre Seguros Agrícolas, não sei se realmente estou dando um Pitaco, emitindo um Palpite ou uma Opinião.

Minha posição se inclina para a combinação entre as 3 formas de manifestação, sem qualificar um peso maior ou menor para cada uma delas.

Nesse contexto, considero que há muita contaminação ideológica nessa discussão e, provavelmente, por isso que as soluções sejam tão difíceis de serem implementadas. 

Trata-se de uma questão de grande complexidade técnica, sendo a razão de existir de um sujeito conhecido como “Atuário”.

Para quem não sabe, tomando emprestada a definição do Wikipedia, o "Atuário é o termo que designa o profissional especialista em avaliar e administrar riscos. Deve ter formação acadêmica em Ciencias Atuariais, ter conhecimentos em Matemática, Estatística, Direito, Economia e Finanças para atuar na área de Seguros, Previdência Complementar (aberta ou fechada), sendo capaz de analisar concomitantemente as mudanças econômicas, demográficas e sociais no Mundo. Efetua cálculos probabilísticos de eventos, avalia riscos e determina a fixação de Prêmios de Seguros e Coberturas Indenizatórias, podendo atuar também em outras áreas relacionadas ao tema Risco”. 

Cheguei a ingressar na Faculdade de Ciências Atuariais da UFRGS, mas desisti por conta do alto grau de dificuldade do curso. Por isso, tenho um misto de Frustração por não ter adquirido o refinamento Matemático exigido e outro tanto de Admiração por esses Profissionais.

Voltando ao tema, que é o que realmente importa, as variáveis que compõe a Equação de um Seguro Agrícola devem contemplar:

a) Delimitação territorial;
b) Clima (variações de temperatura, comportamento pluviométrico);
c) Ocorrências de Secas, Enchentes, Granizos, Geadas (Freqüência estatística num horizonte de tempo e Intensidade dos Eventos);
d) Características dos Solos e da Vegetação;
e) Incidência de Pragas, Doenças e Plantas Daninhas;
f) Tamanho Médio dos Módulos de Produção;
g) Localização;
h) Acessos e Meios de Escoamento;
i) Caracterização do Perfil dos Agricultores (Idade Média, Composição do Grupo Familiar, Grau de Escolaridade, etc);
j) Custos de Produção Médios;
l) Produtividade Média da Região;
m) Porcentagem entre Áreas Próprias e Arrendadas;
n) Padrão Tecnológico Médio;
o) Existência de Conflitos Agrários Potenciais (MST, Índios, Posseiros, Grileiros, etc);
p) Flutuações nos Preços dos Principais Insumos utilizados na cultura a ser coberta;
q) Flutuações nos Preços do cultivo alvo da cobertura;
r) Histórico e Propensão a Fraude por parte dos Contratantes;
s) ETC…

Sem entrar na ponderação sobre o que mais pesa nessa composição, é do senso comum o entendimento de que a Agricultura é uma atividade de Risco.

Isto posto, respeitando opiniões tecnicamente mais aprofundadas, me parece que a configuração de uma Política Agrícola que padronize o tratamento do Seguro num País como o Brasil é uma tentativa, por certo que muito nobre, mas de uma insanidade grotesca do ponto de vista Matemático e Econômico.

Vejo com estupefação as menções generalizadas acerca do “Seguro de Renda” que busca a proteção do Faturamento do Produtor. Mais boquiaberto fico quando leio e releio as cláusulas desse tipo de cobertura.

Talvez seja esse enfoque um dos motivos para o insucesso do “Seguro Rural” no País.

Novamente, com todo o respeito às opiniões divergentes que possam, eventualmente, demonstrar que estou muito equivocado, acredito que o Seguro é uma ferramenta essencial para cobertura dos Riscos e para o barateamento do financiamento do Setor.

Quando o Agricultor se dirige ao Banco para contratar uma linha de crédito para o Custeio, pressupõe-se que estará informando com certa precisão os valores que serão desembolsados na compra de Insumos (sementes, fertilizantes e defensivos), além de outros itens fundamentais como o combustível, a mão de obra, etc.

O que gera a insolvência do Agricultor não é a frustração da sua Renda, que depende de fatores exógenos como os Preços de Mercado e o Rendimento do cultivo.

Na realidade, o que quebra o Agricultor são as dívidas contraídas para desenvolver a atividade, ou seja, tudo aquilo que foi necessário e comprovado em termos de Capital de Giro.

Nesse sentido, o desafio de se estabelecer um “Prêmio Justo” ou uma “Cobertura Adequada” estão mais relacionados ao Custo de Produção que é passível de ser comprovado, do que propriamente no Faturamento Esperado.

Uma frustração de Faturamento pode não levar o Agricultor à Falência, caso ele consiga livrar-se das dívidas contraídas com terceiros numa Safra.

Os “Prêmios” são determinados com base no percentual que se pretende gerar de cobertura para um Sinistro. 

Dessa forma, ao estabelecer um percentual sobre o montante desembolsado com Insumos ou contraído através das Linhas de Crédito para o Custeio, o valor a ser pago pelo Agricultor se tornará mais preciso ou mais ajustado a sua capacidade econômica. Além de ficar menos sujeito a coletivização da Política Governamental que busca inserir a todos numa cesta.

Para mitigar os Riscos de Mercado que afetam o Lucro do Produtor (diferença entre o Faturamento e o Custo de Produção), desconheço a existência de mecanismos tão bons quanto os disponíveis no Mercado de Futuros & Opções.

Seria muito conveniente avaliar modelos alternativos que existem em diferentes países e mesmo no Brasil, como os Sistemas de Mutualismo onde Entidades Regionais comandadas por Representantes dos Agricultores instituem suas próprias regras para determinação de Prêmios e Coberturas. 

A Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA) é um exemplo muito bem sucedido que poderia ser adaptado pela APROSOJA e outras agremiações rurais no País.

Enquanto ficarmos na dependência de uma intervenção do Governo ou de Políticos, por mais bem intencionados que estejam, estaremos enfrentando dilemas que não se resolverão adequadamente em função da sua inviabilidade econômica ou se tornarão objeto de intermináveis debates coletivos, onde a maior parte dos participantes com influência decisória desconhecem os Riscos da Agricultura.

O caminho lógico parece ser a construção de sistemas descentralizados de Seguro Agrícola, que levem em conta a composição dos diferentes fatores de risco em cada região, de forma que a precificação dos Prêmios e a determinação das Coberturas estejam mais próximos da realidade dos Produtores e dos cultivos que se visa proteger.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Operações de “Barter” e os custos ocultos. Existe alternativa melhor para o custeio?

As operações conhecidas por “Barter" ou Troca de Insumos por Grãos tornaram-se o principal mecanismo de financiamento da produção agrícola, justamente pelo desinteresse dos Bancos de afrontarem os Riscos e de constituírem linhas de crédito ajustadas ao ciclo agronômico, comercial e financeiro do setor.

Num primeiro momento, para os Produtores de pequeno porte e eventualmente de baixa escolaridade, a conversão de um pacote de insumos em sacos de Soja ou de Milho para entrega na colheita trouxe certa “previsibilidade” e não faltaram argumentos de marketing das empresas aludindo que esse mecanismo simplificaria os processos no campo, traduzindo os custos na “Moeda do Produtor”.

Não obstante, se bem essa alternativa realmente facilitou o entendimento de que para produzir 1 hectare de Milho são necessários X sacos, numa determinada equivalência-preço, é indiscutível que essa modalidade de comercialização e de financiamento dos insumos traz uma série de custos ocultos que, na maior parte das vezes, são superiores aos disponíveis no mercado financeiro.

Essa assimetria de informação ocorre, em parte, por causa do desconhecimento dos Produtores sobre os parâmetros que compõe a formação dos preços dos principais insumos utilizados na lavoura.

Informações fundamentais como o comportamento da Oferta e da Demanda específica de um determinado insumo a nível mundial soa como algo distante, impossível e que não está no Radar dos interesses da maior parte dos Produtores.

Na via oposta, os fabricantes de insumos conhecem muito bem a composição dos custos agrícolas, os mecanismos de financiamento disponíveis, de que forma os clientes obtém lucro e os riscos a que estão submetidos. Contam com profissionais competentes para gerar coberturas contra flutuações de preços, focados na captura das melhores margens possíveis para o negócio.

Como se diz popularmente: “O Jogo é Bruto”. Ganha quem estiver melhor preparado.

Do ponto de vista jurídico e financeiro, as operações de Barter envolvem um conjunto de obrigações onerosas:

-       Entre 130% a 150% do valor negociado como penhor da produção registrado numa CPR – Cédula de Produto Rural;
-       Hipoteca da propriedade, normalmente registrada numa única matrícula, com todas as despesas cartoriais correndo por conta do Produtor.

A indisponibilidade das garantias do Agricultor limita a capacidade de tomar linhas de Capital de Giro.

Da leitura dos balanços de empresas de Defensivos Agrícolas publicados no exterior, se extrai o entendimento de que boa parte da rentabilidade diferenciada que se obtém no mercado brasileiro é originada em operações de Barter e na arbitragem de taxas de juros (diferença entre o custo de captação da multinacional e o custo financeiro praticado pelos Bancos daqui, os quais são repassados aos Distribuidores e Produtores). 

Os Agricultores mais bem informados sabem que os juros nos países desenvolvidos são extremamente baixos e em alguns casos até negativos. Enquanto no Brasil, os Bancos podem cobrar pelo desconto de uma duplicata algo entre 2% a 3,5% ao mês.

A precificação dos Defensivos Agrícolas oferecidos nas operações de Barter inclui:

a) Margem de Lucro do Fabricante + Custo Financeiro do “Prazo-Safra” + % de Risco de Inadimplência;
b) Margem de Lucro do Revendedor + Custo Financeiro determinado pelo Fabricante (que embute o % de Inadimplência e eventualmente outros encargos).

Quando o vendedor dos Insumos é uma Trading, eventualmente, os preços poderão ser melhores do que as Revendas devido a diferença na escala de compra, por oferecerem um Risco de Crédito muito menor ou simplesmente por pagarem à vista ao Fabricante.

As Tradings normalmente estabelecem condições adicionais sobre os contratos, sendo que algumas são plenamente justificáveis devido aos compromissos de exportação pactuados com vários meses de antecedencia.

Nesse caso, é comum utilizar-se como parâmetro os preços futuros da Bolsa de Chicago para o periodo que se pretende liquidar o contrato, menos a despesa de frete do local de produção até o Porto de Embarque e outros descontos, o que se denomina como “Preço de Originação” ou “Diferença de Base”.

A vantagem aparente está em saber a equivalência preço-produto para cobrir o custeio, permitindo com certa precisão que se estime a margem, caso se atinja um determinado rendimento por hectare. Dito de outra forma, se estabelece por essa via um “Hedge” do  volume que estiver sendo transacionado de forma a cobrir a totalidade ou uma parte substancial dos custos de produção.

Em nossa opinião, o custo financeiro implícito dessa operação supera facilmente 30% ao ano, sem considerar as implicações relacionadas à indisponibilidade dos Ativos já hipotecados, as exigências acessórias e a perda do prêmio que estiver sendo praticado à época da liquidação dos contratos.

Então, qual seria a melhor saída para os Produtores?

Os Agricultores de Pequeno Porte devem buscar o crédito oficial, por mais difícil e burocrático que seja, limitando as operações de troca no que efetivamente não conseguirem comprar à vista.

Os Produtores de maior escala, com propriedades a partir de 500 hectares, mesmo que atuem como “Pessoas Físicas”, poderão obter vantagens significativas ao registrarem-se como Exportadores.

Que vantagens seriam essas?

-    a) Não incidência do Funrural sobre o Faturamento de Exportação;
     b) Acesso a linhas de ACC (Adiantamento sobre Contratos de Câmbio), cujas taxas na atualidade      
         variam de 5,5% a 8% ao ano para liquidações em até 360 dias;
3   c) Liberdade de determinar o melhor momento para vender a produção, capturando os preços 
         mais vantajosos;
4   d) Possibilidade de atuar diretamente no Mercado de Futuros & Opções, realizando operações de
       “Hedge”, gerando ganhos adicionais a partir de operações de recompra de contratos e outras 
        estratégias financeiras que não envolvem a movimentação física dos Grãos;
5  e) Disponibilidade financeira para compra à vista da totalidade dos insumos, sem a necessidade de fechar pacotes, obtendo dessa forma descontos substanciais.

A lista não acaba aí.

As empresas Agroexportadoras podem ainda requerer o regime de Drawback para importação de insumos.

A obtenção de elevados rendimentos agronômicos é um dos fatores que contribuem para a redução dos custos de produção e para manutenção da sustentabilidade do negócio. Nesse aspecto, os Agricultores Brasileiros mostram-se muito preparados e no “Estado da Arte” a nível mundial.

No que diz respeito ao conhecimento dos mecanismos financeiros disponíveis e estratégias avançadas de comercialização, o setor ainda é pouco evoluído e altamente dependente.

O grande desafio, segundo o célebre Engenheiro Agrônomo Polan Lacki, é “o quê e como fazer para que os agricultores possam ser eficientes e competitivos com menos créditos, com menos subsídios, com menos investimentos, com menos garantias oficiais de comercialização, enfim, com menos Estado”.

É dele também a frase que diz: “O Agricultor compra os insumos no varejo e vende a sua produção no atacado”.

É na crença em conceitos sólidos, como os do Prof. Lacki, que a CustodoAgro vem fundamentando os seus esforços, buscando compartilhar conhecimentos e experiências para crescer junto com os Agricultores.


Eduardo Lima Porto

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Agricultor, você daria Crédito ao seu Comprador?


A maior parte dos Agricultores, produtores de grãos, depende da concessão de crédito fornecido por terceiros. Nomeadamente, Bancos, Fornecedores de Insumos e Compradores (Tradings).

A disponibilidade do crédito para o custeio da produção tem variado muito nos últimos anos, respondendo basicamente aos efeitos causados por ciclos macroeconômicos de expansão ou retração, que abarcam uma infinidade de variáveis: (i) preços das commodities e fatores subjacentes; (ii) cambio internacional; (iii) taxa de juros doméstica e estrangeira; (iv) qualificações de risco; etc…

Nos últimos 10 anos, verificou-se um notável crescimento da participação de fornecedores de insumos e exportadores na composição do custeio, diminuindo sensivelmente a presença dos Bancos, seja pelo excesso de burocracia e morosidade que apresentam, seja pela falta de interesse do sistema financeiro de atuar mais ativamente no setor.

As práticas comerciais e financeiras que foram se consolidando nesse período literalmente deixarão de existir, o que causará um impacto dramático na estrutura do Agronegócio.

O excesso de liquidez e os preços altamente favoráveis da Soja, como se verificou entre 2011 e parte de 2014, deram azo a ações irresponsáveis e permissivas em relação ao crédito que desafiaram preceitos básicos de Economia. Essa conjuntura, possivelmente não voltará.

As correções ou ajustes necessários do sistema não são indolores e tampouco isentos de falhas.

Nessa altura do ano em que a colheita da Soja em diversas regiões já permite antever o volume real que estará sendo posto na Economia, surgem várias incertezas para quem costuma olhar um pouco além, que por hábito ou necessidade, nessa época costuma iniciar a construção de cenários para elaboração de uma estratégia para a próxima Safra.

Considerando a gravidade da inadimplência setorial que está levando à falência alguns Grupos tradicionais e a uma enxurrada de pedidos de Recuperação Judicial de centenas de Agricultores, puxando no reboque a várias Revendas e Industrias de Insumos, de que forma será possível obter crédito (prazo-safra) em condições economicamente aceitáveis daqui para frente?

O Governo que se encontra totalmente quebrado será a solução mágica? 

Os Bancos Oficiais, igualmente exauridos, irão ampliar o volume de dinheiro para compensar uma redução, tida como mais do que certa, da presença dos fornecedores de insumos nas operações Prazo-Safra?

E as Tradings, estarão dispostas a suprir essa deficiência depois de uma história de disputas e quebras de contratos como os verificados em 2004/2005?

Estas são apenas algumas das inquietudes que me levam a pensar sobre o negocio agrícola em 2016 no Brasil. Tenho muitas outras dúvidas, as quais poderiam aborrecer aos que acreditam que na última hora “tudo se ajeita”.

“Bons resultados do passado, não são uma garantia de repetição para o futuro”. A conjuntura atual faz dessa frase quase que um Axioma da Física.

Há muito tempo que chamo a atenção de Clientes e Amigos do Agro para a necessidade de profissionalizarem a atividade do ponto de vista econômico-contábil-financeiro. Não basta apenas sermos bons da porteira pra dentro, auferindo ganhos de produtividade ano-a-ano, gerando benfeitorias na propriedade, circulando riquezas na economia regional, etc.

Cada vez mais, o produtor deverá conscientizar-se da necessidade de demonstrar “Governança” na gestão do seu negócio.

Desde a crise de 2008 que as principais Seguradoras de Crédito deixaram de dar cobertura para as Industrias ou para as Revendas de Insumos. Sabem a razão? Por que não se consegue visualizar com clareza o risco individual dos Agricultores, que são os principais clientes dessas empresas.

O fato de um Agricultor Profissional mover milhões de Reais por ano, deter um patrimônio milionário e não apresentar Demonstrações Contábeis coerentes com as normas exigidas, acarreta uma enorme incerteza por parte de quem tem a função de decidir ou não sobre a concessão de um crédito.

O mercado caminha a passos largos para a desintermediação dos processos, o que em certa medida é bom porque eliminam-se muitos custos agregados e aumenta-se a competitividade, porém essa conjuntura traz consigo um enorme desafio cultural e empresarial para o Agricultor Médio.

Alguém sabe o que significa a relação "Dívidas Líquidas/EBITDA"? Em termos simples, é um índice que demonstra a geração de caixa obtida nas operações para fazer frente às dívidas. 

Cada vez mais, a visualização clara desse tipo de indicador será exigida no Agro. De que forma, um Analista de Crédito poderia avaliar a atividade de um Agricultor sem ter a frente Demonstrações Contábeis elaboradas de maneira consistente?

Sinto dizer que, quem não se preparar seriamente para isso, terá muitos problemas para obter crédito. As exigências de maiores e melhores garantias no cumprimento dos contratos irá afetar decisivamente a viabilidade econômica de milhares de Agricultores que, até então, nunca precisaram se preocupar com essa classe de questões.

O Prazo-Safra embute o custo financeiro de operações como o Desconto de Duplicatas (hoje em torno de 30% a.a.), além de ser normal a inserção um "fator de risco de inadimplência” sobre os preços dos insumos. "O Bom Pagador" sempre pagará o ônus do "Mal Pagador”. E essa regra não será quebrada.

Recordo que em 2013, na época em que era Diretor de uma Industria Química, visitei um Produtor Paranaense considerado um dos mais influentes da sua região. 

Depois de conversarmos um pouco sobre os insumos e o mercado de maneira genérica, me foi colocado de maneira comercialmente “agressiva” que a condição de pagamento para que viesse a fechar a venda seria diferente da tradicional, pelo fato de muitos fornecedores disputarem um espaço naquela propriedade. Disse que comprava com prazos superiores a 12 meses.

Tendo escutado atentamente a proposição, perguntei se me poderia fornecer os Balanços a fim de que pudesse analisar a possibilidade da concessão do crédito. Me deparei com uma resposta muito mal educada, de alguém que parecia ter escutado uma ofensa imperdoável. O clima ficou pesado na hora.

Na tentativa de aliviar a tensão, comentei com o Produtor que eu também era Comprador de Soja e que tinha interesse de fazer negocios com ele. 

Me perguntou quanto pagaria pela Soja naquele momento e lhe respondi que isso dependeria muito do prazo, agregando que não teria problemas de aceitar uma condição semelhante àquela que me havia sido proposta.

A reunião terminou na hora. Sem que pudéssemos ao menos encontrar um ponto de convergência. 

Recentemente, tomei conhecimento de que o referido Agricultor se encontra em Recuperação Judicial, causou problemas financeiros gravíssimos a seus fornecedores de insumos, está inadimplente com o Banco onde tomou financiamento em Dólares e deixou dívidas incobráveis na Praça, onde antes era mais temido do que respeitado. 

Moral da História, os tempos estão mudando e o que valia antes, não é garantia de que valerá amanhã. 

Quem poderia dizer que a Syngenta seria comprada por um Grupo Chinês totalmente desconhecido por aqui? Por conhecer bem os chineses, duvido muito que os atuais donos dessa Gigante Multinacional sejam tão condescendentes na liberação de crédito, como foram os anteriores.

O Agricultor deve ter em mente que para obter crédito com terceiros, terá que aumentar significativamente o nível de segurança e visibilidade institucional da sua atividade.

Afinal, R$ 1,00 vale rigorosamente a mesma coisa para todos, independente se alguém planta, vende um insumo ou se dedica a cortar cabelo.

Eduardo Lima Porto

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Sinais do Apocalipse - Desejo estar errado

Desde o início do ano que se vinha especulando fortemente sobre o rebaixamento da classificação de Risco do Brasil e acerca da possibilidade que se concretizou ontem da subida dos juros norteamericanos.

Em reiteradas ocasiões no transcurso desse ano, manifestei que a Agricultura, e em especial, os produtores de Soja do Mato Grosso enfrentariam situações bastante difíceis nessa Safra a partir da conjunção de uma série de variáveis negativas que poderiam justificar o termo que se encontra tão em voga: “A tempestade perfeita”.

Traço a seguir um cenário derivado da combinação de fatores que está longe de ser improvável:

a) Novo patamar para o dólar nos primeiros 3-4 meses de 2016, fixando-se na faixa de R$ 4,30 a R$ 4,60;

b) Quebra média na produção de Soja no Centro-Oeste de 15%;

c) Contratos já fixados em Reais para entrega no período de Março a Maio numa proporção equivalente a 50% ou mais do volume negociado na safra passada;

d) Ataque semelhante aos anos anteriores da ferrugem asiática, helicoverpa e mosca-branca;

e) Manutenção do crescimento da demanda chinesa;

f) Escoamento dos estoques de Soja represados pelos argentinos nos próximos 2-3 meses;

g) Instabilidade política generalizada no Brasil, marcada por protestos, greves e paralisações diversas (camioneiros, petroleiros, bancários, portuários, etc).

Imaginemos um Agricultor de porte médio, que tenha contraído empréstimos de longo prazo para renovação do maquinário entre 2011 e 2013.

Quais seriam as conseqüências imediatas para ele diante de um cenário como esse?

Possivelmente, a situação será de insolvência ou de baixa capacidade para honrar entregas pactuadas nos contratos de Barter.

Poderá haver problemas de qualidade da Soja, como já ocorrido em safras anteriores, elevando a pressão por descontos de preço e reduzindo a geração de caixa de maneira generalizada.

O custo médio do capital vai subir substancialmente, de um lado pela indisposição dos agentes de continuar a financiar o risco de um setor descapitalizado e com dívidas acumuladas, do outro porque o chamado “custo de oportunidade” definirá a alocação dos recursos em aplicações mais seguras e de retornos superiores aos da atividade agrícola. 

O Governo que já atrapalha brutalmente a Economia com a sua burocracia excessiva, incompetência e voracidade tributária, irá tornar-se o maior concorrente do Agronegócio na captura de recursos para Capital de Giro.

Advogados oportunistas irão massificar os pedidos de Recuperação Judicial, retornando com a rançosa e indefensável Teoria da Imprevisão, aumentando o sentimento de desconfiança que irá dificultar por longo tempo a restabelecimento do crédito. Os mais experientes lembrarão bem do que ocorreu em 2003 e 2004.

Corporações estrangeiras capitalizadas em moeda forte poderão adquirir extensas áreas com histórico de produção a preços “baixos" ou submetidos a questões judiciais. 

Num panorama assim, vislumbro o crescimento acelerado da presença chinesa no interior do Mato Grosso e em outros Estados, sobretudo do Centro-Oeste.

Em 2016, desejo sinceramente que as minhas previsões estejam erradas.

Eduardo Lima Porto